Quem me vê assim livre não imagina o trampo que foi me libertar.
Vou começar pelo meio, por volta dos 20 anos, formada ou quase. Eu carregava o peso do mundo nas costas, a necessidade de ter todas as certezas e respostas, ser levada a sério, ter credibilidade. E quem tem isso com 20 anos, minha gente?
Minha casca precisava ser dura, minhas convicções extremamente rígidas, e minhas relações quase ríspidas, quase arrogantes. Cada passo que eu dava tinha que ser definitivo. No entanto, a vida logo me mostrou que esse fardo era insustentável.
Obviamente não demorou muito para a conta chegar: durante a primeira crise de ansiedade tive a sorte de estar na casa dos meus pais – que só passei a chamar assim muito, muito, muito tempo depois de não morar lá, mas isso é papo para depois – e fui parar no cardiologista, certa de que estava tendo um piripaque dos bravos. Era só má digestão e um medo que me dominava.
Curiosamente (ou não, claro que não), tudo teve início após minhas primeiras sessões de terapia. Lembro perfeitamente de me sentar na poltrona, olhar para a Joseane e dizer “na verdade nem sei direito o que estou fazendo aqui, minha vida é ótima”. Eu estava ali por sugestão de um ex-namorado, que provavelmente não fazia ideia do monstro que estava liberando 😂.
Conforme fui desemaranhando os sentimentos e pensamentos, colocando para fora, a sensação de destruição era inevitável. Parecia que tudo que eu sabia e acreditava até ali havia deixado de existir ou era mentira. As crises pioraram, em frequência e intensidade, até que um dia me vi do lado de fora de um consultório de neurologista com a receita de ansiolítico na mão. Chorei copiosamente por meia hora, talvez mais, completamente perdida. Nada daquilo fazia sentido, mas o mundo como eu achava que conhecia também não. Nunca tomei o tal remédio, eu queria entender tudo aquilo.
Percebe que não “aconteceu” nada? Nenhuma perda, tragédia, estalo, virada de chave. Nenhum episódio bombástico, marcante. Era somente uma jovem olhando para dentro de si e entendendo como havia chegado até ali.
Importante deixar claro que meus pais foram e são extremamente presentes, afetuosos, dedicados. Que nunca me aconteceu nada grande, sério. E ainda assim a avalanche veio. Como vem para todo mundo em algum (ou alguns) momentos da vida. Estranho seria se não viesse.
Se nos mantivéssemos iguaizinhos do início ao fim, com as mesmas ações e convicções, sem nenhum questionamento.
Mudar, evoluir e se transformar faz parte da vida. Olhar para si mesmo dói, é trabalhoso e cansativo. É muito mais fácil falar sobre os outros, julgar como espectador, analisar como se assistíssemos a um filme. Mas quando a responsabilidade e as consequências são suas, tudo muda.
É uma jornada longa, árdua, com altos e baixos, mas não encontrei um caminho mais eficaz para ser livre e feliz de verdade.
Hoje consigo me posicionar de uma maneira bastante tranquila e considero que essa conquista libertadora tem duas bases principais: saber meus valores e não ter medo de mudar de opinião.
Eu já fui a favor do aborto. Eu já não quis ter filhos. Eu já achei que feminismo era equilíbrio, que homem e mulher deveriam ter, ser e fazer tudo igualzinho, 50/50. Que só era gordo quem era preguiçoso. Que criança falando alto ou se mexendo demais era incompetência dos pais. Eu já pensei que precisaria morrer com as certezas que aquela menina durona havia construído.
Quando eu precisava ter todas as respostas e convicções inabaláveis, era refém de mim mesma.
Eu não nasci pronta. Fui e sou diariamente moldada por suor, lágrimas e sangue, nessa ordem. Autoanálise constante.
À medida que explorei meus sentimentos e pensamentos mais profundos, fui desafiada a questionar crenças e valores arraigados. Doloroso, confuso e necessário.
Hoje, olho para trás e vejo como evoluí, como compreendi e abracei a complexidade da vida e das relações humanas. Mudança não é sinal de fraqueza, mas de coragem. Aceitar que estou em constante evolução me permite abraçar a incerteza e encontrar espaço para a tão desejada leveza.